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Goiás ganhará um caminho inspirado no de Santiago de Compostela

Composta por morros verdes e um céu sem as limitações impostas pelos edifícios da cidade, a paisagem é vistosa ao redor. Inspirado em um dos principais nomes da literatura goiana, o Caminho de Cora Coralina começou a ser demarcado em 2015. Tal qual a Estrada Real de Minas Gerais e o Caminho de Santiago, na Espanha, o estado de Goiás compreendia uma trilha histórica destinada aos viajantes. O trajeto passa por modificações. O intuito é transformar um percurso usado por bandeirantes, há centenas de anos, em uma estrada visitada por aventureiros interessados em conhecer as belezas naturais e a cultura do estado que abraça o Distrito Federal.

A inauguração oficial está prevista para março, mas os seus 282km podem ser percorridos de bicicleta, a pé ou a cavalo (carros não conseguem atravessar inúmeros trechos), com auxílio de GPS ou mapa. Os viajantes desfrutam não só de espaços em meio à vegetação do cerrado, mas também das belezas de residências dos séculos 18 e 19, das ruínas de antigas lavras de ouro e da presença de fazendas e cidades históricas.
O caminho começa em Corumbá de Goiás, município com pouco mais de 11 mil habitantes e a 140km de Brasília, e termina na Cidade de Goiás, antiga capital do estado, mais conhecida como Goiás Velho, e local de nascimento da poetisa cujo nome batiza a trilha. Passa, ainda, por outras cidades históricas, como Pirenópolis, Jaraguá, Itaguari e Itaberaí. Em todos os oito municípios por onde o caminho passa, há locais para hospedagem, especialmente nas cidades maiores.

Garimpo

Em Corumbá, a trilha começa próxima a um trecho composto por casebres, fazendas e sítios. Há duas opções de início: uma perto do Terminal Rodoviário, na qual se atravessa um pequeno trecho de mata (o percurso pode ser irregular para ciclistas ou pessoas montadas em cavalos); a outra começa perto da rodovia GO-225, na subida da Avenida São João.
Mas, antes, vale a pena conhecer Corumbá. Fundada em 1730, a cidade começou a crescer em 1734, a partir da inauguração da capela de Nossa Senhora da Penha de França, hoje igreja-matriz. A população se desenvolveu entre a paróquia e o Rio Corumbá, onde pedras preciosas eram garimpadas pelos bandeirantes. No início, a economia da cidade girava em torno da mineração. Com o fim da atividade, a renda passou a se amparar na agropecuária e, hoje, é sustentada principalmente pelo turismo.
Ramir Curado, 57 anos, pesquisador da história corumbaense, escritor e comerciante da região, conta que chegou a mapear 127 garimpos de mineração até o século 20. Apesar disso, segundo ele, o município também teve importante papel na movimentação do comércio de Goiás. “Todo o norte goiano vinha fazer compras aqui. A partir do fim do século 19, a produção de tabaco, açúcar e café deu um enorme destaque a Corumbá. Mas, hoje, é o turismo que está em desenvolvimento aqui”, ressalta.
Além das quedas d’água e corredeiras pelas quais o município é conhecido, chama a atenção o centro histórico, composto por casarões construídos no período colonial, pela igreja Nossa Senhora da Penha de França e pelo Cine Teatro Esmeralda. Algumas das atrações que passam pelo centro histórico são o carnaval da cidade, que conta com marchinhas tradicionais, e as apresentações artísticas do Coral de Corumbá, da Orquestra de Violeiros e da Corporação Musical 13 de Maio, mais antiga de Goiás. As aulas de história ficam por conta da apresentação das tradicionais cavalhadas (encenações de batalhas entre cristãos e mouros, introduzidas no Brasil pelos jesuítas).

Pedalando

As casas próximas ao Caminho de Cora Coralina são habitadas, em geral, por trabalhadores da região. Segundo eles, é comum ver fazendeiros, vaqueiros e ciclistas locais e forasteiros usando a estrada. Nascido e criado em Corumbá, Geraldo da Silva, 67, se lembra do tempo em que fazia o percurso até Pirenópolis. “Tenho alguns amigos que moram em fazendas perto da estrada. Eu costumava visitá-los a pé ou de bicicleta. Mas, quando a saúde permitia, cheguei a ir a Pirenópolis por ela”, conta.
Integrante de um grupo de ciclistas, o morador de Caldas Novas (GO) Reginaldo Moronte, 41, conheceu o caminho em 2015, a convite de um amigo. Foram três dias de viagem, entre 10 e 12 de outubro, ao lado de nove companheiros de pedalada. Com base nessa experiência, ele destaca a importância de praticar ciclismo para enfrentar o trajeto. “O melhor jeito de fazê-lo é caminhando, de bicicleta ou montado em algum animal. Mas é necessário preparo físico. Não pode ser qualquer cicloturista. É necessário, ao menos, um ano de prática. Podem acontecer acidentes, então o ideal são, no máximo, 10 pessoas por grupo”, recomenda.
O grupo parou em restaurantes, hotéis e pousadas nas cidades visitadas para comer ou passar a noite. Ainda assim, segundo Reginaldo, três dias não foram suficientes para conhecer todos os atrativos. “O mais difícil foi o trecho de um morro. Mas, fora isso, passamos por locais maravilhosos. Deixamos alguns pontos de fora, como a Fazenda Babilônia (em Pirenópolis) e cachoeiras, porque fizemos o caminho em três dias. Em cinco dias, porém, teríamos conhecido tudo”, observa.
Médico, Alvaro Luis de Paula, 56, fez o Caminho de Cora Coralina com Reginaldo e voltou em 2017. Para o morador de Goiânia, a maior dificuldade decorreu da falta de sinalização. Contudo, o grupo com o qual percorreu a trilha recorreu a mapas na internet, à Goiás Turismo e aos moradores da região para conseguir as informações necessárias. “Para Goiás, é um projeto interessantíssimo. O percurso não é tão puxado, mas também não é para qualquer um. Precisei traçar o caminho com ajuda de mapas na internet”, detalha.

Ampliação

Cientista ambiental, morador de Goiânia e voluntário do projeto, Alessandro Abreu conta que, na última quinta-feira, mais 17 km da estrada, entre Caxambu e Radiolândia, foram sinalizados. “É um processo que não acaba, porque temos de revisá-la (a sinalização) a cada três meses. Antes do lançamento (oficial), vamos providenciar o cadastro de locais de hospedagem, suporte para alimentação, locais para banho, mas isso é desenvolvido com a própria comunidade”, explica.
Os participantes do projeto também pensam em criar um sistema de passaporte semelhante ao usado em outras trilhas famosas. Segundo Alessandro, a proposta permitirá que o turista colecione carimbos em pontos específicos ao longo do trajeto. Até lá, o governo goiano segue sinalizando a estrada e tentando negociar a cessão de passagem por estradas particulares.

Memória

Primeiro livro aos 75 anos
Cora Coralina, nome adotado por Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nasceu na Cidade de Goiás, em 20 de agosto de 1889. A poetisa e contista ficou famosa por retratar nos escritos que produzia a simplicidade do cotidiano dela. Publicou o primeiro livro só aos 75 anos.
Desde então, teve nove obras editadas, sendo quatro delas póstumas, e chegou a receber dois prêmios: o literário Juca Pato e a Ordem do Mérito Cultural. A poetisa morreu em Goiânia, em 10 de abril de 1985, aos 95 anos, vítima de uma pneumonia.
Em 2017, estreou o filme Cora Coralina – Todas as Vidas, do diretor Renato Barbieri. O nome homenageia um dos poemas da escritora (leia ao lado). O longa-metragem mescla a ficção e a realidade para contar a história de Cora. “Ela tinha uma visão muito à frente do tempo e a capacidade de se expressar com muita verdade, clareza e força em uma sociedade machista, patriarcal e escravagista. O principal mérito dela era a coragem”, ressalta Renato.
Para o cineasta, o Caminho de Cora Coralina, de certo modo, também se associa à personalidade da escritora. “É um caminho que passa por lugares de muita beleza. Ele tem a força da história e da natureza, dois aspectos bastante relacionados à vida dela, que sempre defendeu a natureza, as mulheres e as pessoas pobres”, salienta.

Roteiro baseado em diários de viagem 

A elaboração do roteiro do Caminho de Cora Coralina ficou a cargo do pesquisador Bismarque Villa Real. Especialista em estradas e caminhos antigos e em estudos sobre o Planalto Central, ele fez um levantamento recorrendo a diários de viagem dos séculos 18 a 20. “Tracei o caminho com base nas observações de seis viajantes. O roteiro, a princípio, ficou com cerca de 260 km. Não optamos pela menor distância, mas pela maior quantidade de locais importantes que precisavam estar no trajeto, como a Fazendo Babilônia, por exemplo”, explica.
O projeto proposto foi aceito, mas ficou parado por um tempo. O primeiro mapa passou por modificações e a extensão do trajeto aumentou para incluir outras áreas naturais e sítios históricos. É possível que o percurso alcance até 300 km. Outro plano envolve colocar, ao longo do trajeto, nas áreas de descanso e pontos de apoio, textos de Cora Coralina e de escritores de cada um dos municípios visitados.
Chapada dos Veadeiros
De acordo com João Lino, gerente de projetos, produtos e pesquisas turísticas da Goiás Turismo, agência de turismo do estado, a proposta começou a ser avaliada em 2013, quando empresas de consultoria foram contratadas. João ficou responsável pela pesquisa de campo e pelo conceito do caminho. “A Goiás Turismo tem trabalhado desde 2014 com alguns roteiros de unidades de conservação, mas, desde o ano passado, temos focado em percursos de longo curso. Por isso, o Caminho de Cora Coralina é o nosso projeto experimental”, comenta.
A ideia é associá-lo a mais áreas que envolvam unidades de conservação e ligá-lo à Chapada dos Veadeiros. “Hoje, temos de 50 a 60 km do caminho sinalizado. Temos usado pinturas nas árvores e postes, porque, assim, não há risco de danos a elas. Estamos contando com apoio da comunidade e de voluntários para auxiliar nesse processo. Além de gerar menos custos e uma sensação de pertencimento, esse tipo de ação trabalha a educação ambiental, cultural e turística dos moradores da área”, destaca João Lino.
O lançamento oficial do Caminho de Cora Coralina está previsto para 23 de março. Até lá, o projeto inclui a divulgação do mapa oficial de todo o percurso, de uma planilha para os usuários caminhantes e cicloturistas e de um site do projeto. “Estamos tentando lançar um aplicativo que reúna todas essas informações. A intenção é tematizar o roteiro em cima da poesia, de paisagem, de gastronomia e de cultura. A poesia será um diferencial”, assinala João Lino.

Outros caminhos

Santiago 
As dezenas de possibilidade de trajetos que compõem os Caminhos de Santiago levam à cidade de Santiago da Compostela. A catedral de mesmo nome do município é visitada por peregrinos que, desde o século nono, iam venerar as relíquias do apóstolo Santiago Maior. Apesar do caráter religioso do caminho, grande parte das pessoas não o faz por motivos religiosos. O percurso, que parte de diferentes locais da Europa, também costuma ser percorrido a pé, a cavalo ou de bicicleta.
Estrada Real
Dividida entre quatro caminhos, a Estrada Real é a maior rota turística do Brasil. O percurso se estabeleceu no século 17, quando a Coroa Portuguesa oficializou as rotas para transporte de ouro e diamantes do interior do país até os portos fluminenses. Os mais de 1.630 km de extensão passam pelos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e dão destaque à história e às belezas das regiões percorridas.

1 Comentário

  • Sérgio Ventura
    Posted 9 de janeiro de 2018 at 1:58

    Gostaria de participar destas aventuras

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