“Bom, agora espero que você pare com essa de bikes”.
Essa frase foi dita para mim por muitos amigos, parentes, conhecidos, colegas, desconhecidos, vizinhos e pelo administrador do meu condomínio por nove meses seguidos. Desde quando eu e minha esposa descobrimos que nos tornaríamos pais. Minha paixão desenfreada por tudo que é de bicicleta foi vista como algo totalmente incompatível com ser um pai, como se virar pai fosse o fim da minha vida e não o início de uma nova e maravilhosa aventura.
Pena que todas aquelas pessoas não tinham percebido que para mim a bicicleta não é um passatempo, mas é a minha vida. Eu as pedalo, conserto e falo sobre bikes. Estou convencido de que ter bicicletas e trabalhar com elas poderá me ajudar a ser um pai melhor.
Porque eu tenho certeza? Aqui estão alguns motivos:
Praticidade
Qualquer um que pedale constantemente já teve que lidar com pneus furados, correntes quebradas, cabos cortados, câmbios desregulados. Colocar tempo e empenho na resolução destes problemas não faz outra coisa que adquirir a praticidade e o conhecimento, tornando os ciclistas pessoas práticas e autônomas. E lhe digo por experiência própria, depois de aprender a regular bem um câmbio que não funciona, aprender a trocar uma fralda é muito fácil.
Resiliência
A resiliência é a capacidade mental de continuar adiante apesar de tudo e os ciclistas sabem bem quanto isso é importante. Chuva, frio, sol na cabeça, trânsito, ciclovias horríveis, motoristas irritados… São muitas as situações as quais o ciclista deve ser capaz de reagir e continuar a pedalar sem ficar desanimado. Este exercício de resiliência dá uma ótima preparação para enfrentar a vida de pai, porque ajuda a superar qualquer dificuldade. As cólicas, as horas de madrugada, as visitas médicas, a nova gestão do tempo, o carrinho de bebê, o berço, a cadeirinha de carro, a mala maternidade, as meias, o cobertor, todas as situações se tornam desafios a superar e não problemas intransponíveis.
Apoio
Os ciclistas são pessoas altruístas, que se ajudam mutuamente. Dão a mão a outro ciclista que tem um problema mecânico mesmo sem o conhecer. Oferecem a própria garrafa de água a quem está pedalando desidratado, apoiam uns aos outros e se cumprimentam quando se encontram, porque eles sabem muito bem que no fim estamos todos na mesma estrada. Essa concepção da vida, como uma viagem a percorrer juntos e não como um desafio egoísta onde o importante é chegar primeiro, é essencial para os novos pais. Tudo muda, é verdade. Mas aquilo que não deve mudar é o apoio mútuo. Quando se pedala em grupo, o corredor à frente se alterna constantemente com os outros na posição: primeiro eu vou um pouco, depois vai você, depois um outro. Desse modo chegamos juntos sem ninguém se arrebentar. A mesma coisa devem fazer os pais: ora toca a mãe, ora o pai. Cada um lidera da forma que sabe fazer, mas ambos têm o mesmo objetivo.
Endorfina
A bicicleta é a maneira perfeita para baixar o estresse e a tensão, recarregar-se e ter a sua dose de endorfina, uma substância produzida pelo cérebro que tem efeito calmante e relaxante, como uma droga natural. Digamos que dois colegas, novos pais, chegam em casa e encontram o bebê chorando. Quem reagirá melhor: aquele que pedalou e se sente relaxado e cheio de endorfina, ou aquele que passou uma hora no trânsito xingando a todos e com raiva do mundo?
Paciência
Os ciclistas sabem bem o que significa ser paciente. Muitas vezes não são compreendidos e ouvem dizerem coisas como: “Mas porque anda de bicicleta?”, “Mas não é perigoso?”, “Mas e depois não fica suado / chove / fica cansado / fica exausto / morre / parece pobre?”. Exatamente o mesmo de quando nos tornamos pais: “Segure o bebê assim”, “segure o bebê assado”, “deve comer três vezes por hora”, “deve dormir duas horas seguidas”, “não pegue ele muito no colo senão fica mal acostumado”, “cadeirinha de carro não é legal”, “quando você era pequeno isso não existia e você cresceu saudável do mesmo jeito”, “não dê vacinas”. E muitas outras coisas. Então o ciclista-pai, em qualquer caso, não faz nada além de sorrir, acenar com a cabeça e continuar a pedalar do jeito que achar oportuno.
Hábito de sofrimento
Ciclistas são pessoas acostumadas ao sofrimento: sofrem em longas subidas, sob as chuvas de verão, sofrem as dores da fome e da sede, sofrem do cansaço que faz parte da atividade esportiva. Este hábito do sofrimento os fazem compreender uma coisa: tudo passa, nada dura para sempre. As subidas são escaladas, chuvas terminam, a fome deixa de ser sentida, a sede diminui, o corpo se recupera da fadiga. E tudo isso ajuda a torná-los pais presentes, mas não apreensivos. Um grito desesperado não se torna um caso pra o Dr. House. Um galo na cabeça é apenas uma maneira de amadurecer. Uma queda é só uma queda, não um fracasso. São aspectos que ajudam a serem melhores pais, porque pais perfeitos não existem. O trabalho de um pai não é proteger o filho de qualquer problema, mas sim fornecer-lhe os meios para resolverem os problemas da vida.
Exemplo
É inútil fingir que nada aconteceu: cada um tenta reproduzir na própria família as situações da infância. Isso significa que o exemplo que damos aos nossos filhos é o maior legado que podemos deixar. Muito mais importante que dinheiro, casas ou empresas. E a paixão pelo ciclismo é um excelente exemplo para deixar aos próprios filhos. Mostra o respeito pelo ambiente, por uma melhor gestão dos recursos, porque é um ensinamento (ou treinamento) de vida que promove a resistência ao cansaço, que faz entender que nada é de graça, que sem esforço não se consegue nada, que no fim das contas só se pode contar com você mesmo. Provavelmente ao meu Fabio não interessa nem um pouco a bike, mas estou certo que um dia, quando adulto, e eu não estiver mais, toda vez que olhar uma bicicleta, pensará em seu papai. E tenho certeza que irá sorrir.
(Essa é uma tradução de MoBikers do texto de Omar Gatti, publicado no BikeItalia.it)