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Brasileira percorre 1500 quilômetros de bicicleta pela Patagônia

Ao contrário de muitos ciclistas, a relação de Marina Thaler com a bicicleta não começou na infância. “Eu não tive bicicleta quando era criança e nem mesmo na adolescência”, conta. Na vida adulta, porém, é a bordo das duas rodas que a historiadora de 29 anos viaja pelo mundo em roteiros impressionantes.

A primeira aventura aconteceu em 2015, quando um amigo da faculdade emprestou uma bicicleta Caloi que estava abandonada no quintal. Nesta viagem, ela percorreu 400 quilômetros do Chuí (RS) até Montevidéu, capital do Uruguai, em cerca de duas semanas com um grupo de amigos.

O despreparo foi o item mais pesado da bagagem e também o mais emocionante: tudo era novo! Não era somente um país fresquinho para ser desbravado, era uma aventura de bicicleta”, relembra.

Era sua inauguração no mundo da cicloviagem, por isso a opção por um país tranquilo – o Uruguai tem três vezes mais vacas do que pessoas, suas estradas são quase desertas, a geografia favorável, poucos aclives e distancias curtas entre cidades. Ainda assim, o desgaste do caminho foi tão grande que foram para o lixo o par de tênis All Star, usado na pedalada, e a barraca de verão, que também não foi páreo para os ventos do sul.

De lá para cá, Marina já percorreu mais de 11 países, cruzou a Europa e fez três grandes viagens e uma delas se destaca não só pelo destino, como pela distância percorrida e por estar ainda em curso, mesmo durante a pandemia: Marina hoje desbrava a Patagônia sobre rodas.

Preparação – e mais do que selfies

Calejada de outras viagens mais longas, a cicloviajante sabia que para encarar a Patagônia de bicicleta um pouco mais de preparo seria necessário: por essas bandas sul-americanas a natureza pode ser bastante dura, o verão é gelado, os ventos podem te tirar de cima do selim da bicicleta e a chuva pode ser incessante por dias.

Enquanto pesquisava e iniciava esse preparo, quando ainda vivia na Espanha, Marina se deparou com uma avalanche de informações na internet. “A internet é um meio democrático valido e certamente uma verdadeira mão na roda, mas será que não estamos perdendo um pouco da magia do desconhecido quando nos preparamos tanto?”, questiona.

Para ela, a grande dica para aproveitar a viagem é fazer tudo com calma, para não correr o risco de transformar essa experiência em um gigantesco check-in de lugares turísticos e um par de selfies aqui e acolá.

Permita-se não planejar e viver a surpresa. Afinal, liberdade é perder-se na sua própria história, e não ir atrás da histórias dos outros”, aconselha.

A ideia de percorrer a Patagônia veio do amigo Felipe Perini, que está há quatro anos em uma jornada para dar a volta na América Latina. Ele apresentou à Marina a famosa Carretera Austral e suas incríveis montanhas, lagos e rios.

Dança entre fronteiras

A viagem teve início em Buenos Aires, na Argentina, e de lá a ciclista pegou um ônibus que levou dois dias até Bariloche, onde iniciaria a pedalada.

Nesse meio tempo, ela havia trocado um par de mensagens com Cuco, argentino fanático da bicicleta, que recebe cicloviajantes em sua casa há anos. A viagem mal tinha começado e Marina acabou ficando mais de uma semana em sua casa, compartilhando garrafas de vinho, shows de cumbia e até um trekking ao Refugio Frey.

Marina explica que a região austral do continente americano é muito recortada, o que significa que muitas vezes para chegar na Argentina, você tem que passar pelo Chile, e vice e versa.

“Foram 2 folhas do meu passaporte que se encheram de carimbos, dignos de quem cruzou a fronteira nos dois sentidos mais de quatro vezes”, conta.

Além de Bariloche, Marina ainda visitou Osorno, Puerto Varas, Chaiten, Puyuhuapi, Coyhaique, Cerro Castillo, Cochrane, Caleta Tortel, Puerto Natales, Punta Arenas, El Calafate, El Chalten e Ushuaia.

Ela recomenda que os visitantes deixem-se arrebatar pela beleza que reserva a vista do vulcão Michimahuida, que aparece quase que no dobrar de uma curva. Outra grande surpresa espera no verde azulado das águas do rio Baker. Outra experiência não pode faltar é se perder pelas passarelas e escadas de Caleta Tortel.

Marina pela Patagônia

A viagem durou cerca de três meses, por uma distância de aproximadamente 1500 quilômetros de bicicleta e outros 1000 de carona (“sim! Levando junto a bicicleta!”) – na região mais sul do Chile e Argentina.

Hospedagem carinhosa e economia

Ela conta que foi uma viagem lenta, pois seu lema foi seguir o dito popular das terras austrais “el que se apura en la Patagonia pierde su tiempo” (“o que se apressa na Patagônia perde seu tempo”). São tantas as belezas que você se sente convidado a esperar, a permanecer, a criar raízes nesse lugar tão magico, reflete nossa entrevistada.

Adepta das viagens a baixo custo, com hospedagem solidária ou camping ao ar livre, Marina elegeu como outro ponto memorável da experiência a hospitalidade do gaucho – a típica figura da Patagônia, montado em seu cavalo, com seu gorro de lã e seu mate nas mãos – que abre as portas da sua casa para te receber como um familiar.

“A Patagônia é um mundo à parte: aqui, acontece exatamente o contrário, cada beira de rio se apresenta como um hotel de infinitas estrelas para que qualquer viajante acampe. Perdi as contas de quantas vezes acampei em alguma montanha, perto de algum rio, ou no meio de algum bosque”, relembra.

Além disso, ela explica que outro aliado muito importante do viajante sem dinheiro é o kit panela, fogareiro e gás. Cozinhando para si ela consegue baixar muito os gastos com alimentação e também manter-se bem alimentada mesmo em regiões remotas.

“A fome que vem depois de um dia de oito horas de pedal é animalesca. Nos alforjes, nunca faltam: arroz, lentilha, molho de tomate, macarrão, aveia, e um bom vinho chileno”, conta. Através desse estilo mais livre de viagem, ela acredita que tenha gastado cerca de R$ 15 por dia ao longo do período.

Viagem sem fim

A viagem teve um fim inesperado e antecipado. Pouco tempo depois de chegar ao Ushuaia, em uma maratona de caronas, Marina conseguiu entrar no Chile outra vez antes que as fronteiras fossem fechadas devido a pandemia. Os planos eram seguir viajando, sentido norte. A realidade, porém, foi um pouco diferente e ela se viu “presa” no Chile.

“Presa entre aspas porque entre amigos e amores, me pareceu mais interessante ficar por aqui do que voltar para o Brasil ou para a Espanha, minha segunda casa. Agora estou há sete meses no Chile, vivendo em uma pequena cidade costeira chamada Pichilemu.

Trabalho administrando cabanas em um bosque, como mariscos todas as semanas já que é o que mais se vende aqui, na minha casa nunca falta um bom vinho chileno. Os planos…quem é que sabe?”

Escrito por: Dan Novachi

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