Leozinho, de 4 anos, tinha poucos meses quando trocou o berço pelo bike trailer. Os carrinhos conectados às bicicletas dos pais levam a família com três crianças por viagens pelo Brasil há 4 anos, por ideia da mãe, a empresária Priscila da Rosa Mendes.
Hoje, o casal Priscila e José Leonardo Mendes já rodou 8 mil quilômetros e passou por três estados sobre duas rodas, com os pimpolhos a tiracolo. Além de Leo, seguem junto as gêmeas Maju e Malu, de 2 anos.
Leozinho, o irmão mais velho, se reveza nos carrinhos com as gêmeas. Quem dá a sorte de pegar o trecho com ele segue de mão dada no caminho todo. “Ele me contou que segura a mão das irmãs para que não se sintam sozinhas”, revela o pai.
Nesses quatro anos, enfrentaram quase tudo na estrada. Passaram por chão de terra, venceram subidas quase infinitas, buracos, acostamentos ruins, dividiram espaço nas rodovias com carros e caminhões, sob sol, ventania e tempestades. É preciso coragem.
“É a palavra que a gente mais escuta. Mas, na verdade, só troquei o carro pelas bikes. Incluímos as três crianças em aventuras que já fazíamos como casal”, simplifica o empresário, criador do projeto sobre duas rodas chamado @namelhorcia, com 15 mil seguidores.
A aventura começa cedo. Em dia de deslocamento de cidade, após todos tomarem café, o casal pedala de 3 a 6 horas, alimenta as crianças com lanches de frutas em paradas estratégicas, chega e se reveza nos cuidados com as crianças e com o trabalho. Os dois trabalham on-line. Acabou e já pode dormir? Não. À noite, ainda tem a “caminhada em família para baixar a comida”.
Zé completa:
As crianças gostam de fazer essa caminhada para ver os lugares onde estamos, virou uma tradição de família”
Desde o nascimento de todos, o casal fez questão de estar presente. Nunca teve babá, revezou no trabalho para estar sempre ao lado dos filhos. Logo, Leo entra em idade escolar, e eles pretendem fazer a alfabetização com ensino à distância, durante as viagens.
O fato de serem três crianças só melhora a convivência. “Eles viraram parceiros, se ajudam e brincam muito. Se fosse um só, estaria mais dependente dos pais”, avalia Zé.
Dores e delícias
O empresário relembra que nem todo caminho é de flores. Durante uma viagem pelo circuito do Vale Europeu, em Santa Catarina, a família pegou um trecho de estrada de terra com chuva forte, em uma pirambeira, que exige muito mais do físico para levar bicicletas, bagagens e crianças.
“A chuva veio de surpresa. Naquela lama, tínhamos que parar para fechar os trailers, para proteger as crianças. Mas é muito difícil parar na subida, pois, se bobear, desce tudo ladeira abaixo. Tem que escorar com uma pedra. Ficamos aflitos, pois não conseguíamos nos ajudar. Mas fizemos tudo, e as crianças seguiram protegidas”, relembra.
E, porque perrengue pouco é bobagem, depois dos bike trailers fechados, quando voltaram a pedalar no barro e chuva, Zé começou a ouvir um barulhinho assustador: “No meio daquilo tudo, meu pneu furou”.
Mas quem pensa que os pequenos reclamam quando estão sobre as rodas, mesmo no perrengue, está enganado. “Eles adoram, a gente os escuta brincando no caminho. Ficamos 7 meses em casa por causa da pandemia e eles já estavam irritados. Claro que, de vez em quando, choram ou brigam, mas é coisa de criança”, conta Zé Leonardo, no maior bom astral.
Nos planos estão viagens internacionais também, como a que desce até o extremo da América do Sul, o destino chamado “Terra do Fogo” e “Fim do Mundo”.
“Neste ano, a intenção era fazer uma viagem internacional de bicicleta com eles, mas adiamos por causa da pandemia. Pretendemos cortar a Patagônia até Ushuaia, e estamos buscando parceiros”, conta Zé Leonardo. Além dessa viagem, está nos planos um roteiro de bicicleta pela Europa com os pequenos.
“Desculpa, tia”
Dificilmente a família fica em um hotel convencional. Normalmente, o casal prefere casas de família e hostels. “Chegamos a estender vários dias de viagem em alguns lugares, por causa da boa receptividade”.
Mas em viagem que tem crianças, também tem bagunça. Muitas vezes, traquinagem. Quando os pimpolhos saem do trailer, entram no “modo criança”, conta o pai. “Eles correm, fazem festa o tempo inteiro, numa euforia”, completa.
Histórias não faltam. “Certa vez, chegamos em um hostel e as crianças estavam muito agitadas. Tínhamos que trabalhar e elas acabaram aprontando”, relembra.
Durante a brincadeira, os pequenos deixaram um livro de controle do hostel cair na grama. Não avisaram ninguém, mas, durante a noite, choveu muito, e o livro ficou arruinado.
“No outro dia, a mulher do lugar estava brava com a perda das páginas. Sentei com os três para dar bronca. Perguntei quem tinha feito aquilo. Malu, sem piscar, se adiantou: ‘fui eu, pai’. Ela me quebrou”, conta, rindo.
A gêmea acabou de vez com a ira de todos quando se levantou e abraçou a funcionária do hostel: “Desculpa, tia”.
Bagagem: carro vs. bike
A bagagem deve ser prática. Na maior parte é formada por roupas dry fit, que secam rápido e fazem pouco volume. Distribuídos em 4 espaços nas duas bikes, são apenas 128 litros para os cinco.
“Todos querem saber como levamos toda a tralha das crianças. Somos bem práticos, temos roupas coringas, aproveitamos cada espacinho. Em um bike trailer, o que puxo, vão duas crianças, e no outro, da Priscila, uma das gêmeas. Ao lado dela, sempre colocamos algo para aproveitar o cantinho. E toda nossa bagagem é impermeável”, conta.
Claro, leva-se muito menos do que em uma viagem de carro. No comparativo entre os modos de viajar, Zé avalia que, no Brasil, as estradas não são preparadas para usar com bicicleta. “Não é em toda rodovia que tem acostamento. Então, muitas vezes, dividimos a pista com carros e caminhões”, conta Zé, que tem truques e cuidados seguidos à risca. Com eles, nunca tiveram acidente.
“Tentamos, ao máximo, chamar a atenção dos motoristas. Usamos lâmpadas de Led que podem ser vistas a mais de um quilômetro de distância, levamos bandeiras altas conectadas às bicicletas. Todo mundo nos vê, e, assim, ultrapassa com segurança”, diz.
Caminhões são ainda melhores do que os carros:
Eles ultrapassam bem longe, enquanto os carros, muitas vezes por curiosidade, passam mais perto. Eles reduzem a velocidade para ver, como se fôssemos ovnis”
Quando o casal está na rodovia, é melhor para as crianças, porque o bike trailer sacode menos. Mas, em compensação, quando estão em estrada de terra, com a tela aberta, os pequenos curtem mais.
“A convivência deles no trailer é bem mais tranquila. Mais fácil manter lá do que no banco traseiro de um carro. Pode ser o vento no rosto, o ambiente, a forma de interação, proximidade com os pais e com a natureza. O certo é que reclamam muito menos”, finaliza Zé.
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Escrito por: Andrea Miramontes