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A maior fábrica do mundo não está dando conta da demanda

Com a pandemia, andar de bicicleta se tornou uma atividade muito mais procurada, e nem mesmo as maiores fabricantes do setor estavam preparadas para isso

Taichung, Taiwan – Porque as academias estão fechadas e poderíamos fazer um pouco mais de exercício; porque estamos evitando ônibus e trens; porque estamos precisando de atividades em grupo ao ar livre; ou talvez apenas porque a pandemia nos fez desejar prazeres simples, como o vento batendo no rosto, as vendas de bicicletas estão subindo ao redor do mundo.

O resultado foi uma escassez internacional de bicicletas. E a maior fabricante do mundo, a Giant, espera que sua oferta permaneça apertada por algum tempo.

Depois que o presidente Donald Trump iniciou sua guerra comercial com a China em 2018, a Giant transferiu parte de sua fabricação destinada ao mercado americano para a base da empresa em Taiwan, para evitar as tarifas adicionais. No ano seguinte, a União Europeia impôs tarifas antidumping às bicicletas elétricas da China, de modo que a Giant também começou a fazê-las em Taiwan.

Mas, quando a pandemia fez com que a demanda por bicicletas desse um salto, a Giant precisou reverter o processo. Com suas instalações em Taiwan já sob pressão, a empresa não teve escolha a não ser aumentar a produção na China, mesmo que isso significasse suportar o custo extra das tarifas.

“Não há outro lugar no mundo que possa ir de zero a cem em um instante como a China”, disse em uma entrevista Bonnie Tu, a presidente da Giant.

O governo Trump este ano suspendeu temporariamente as tarifas sobre uma série de produtos fabricados na China que são considerados estrategicamente sem importância. As bicicletas foram incluídas nessa lista, o que facilitou a volta da produção chinesa da Giant para o mercado americano.

Mas a pausa tarifária para certos tipos de bicicletas expirou em agosto, o que significa que a Giant pode precisar ajustar seus arranjos de fornecimento mais uma vez. O pacto comercial que os Estados Unidos e a China assinaram em janeiro se manteve, mesmo com as duas potências se confrontando em outras questões. Isso não facilitou o planejamento para empresas e indústrias envolvidas.

“Não é que eu queira deixar a China. De jeito nenhum. É que não há nada que possa ser feito. Há muitas barreiras comerciais”, resumiu Tu.

A Giant ganhou destaque décadas atrás fazendo bicicletas para a icônica marca americana Schwinn, antes de gradualmente se tornar uma potência por si só. Quando a China começou a substituir Taiwan como centro fabril, a Giant abriu fábricas chinesas ao mesmo tempo que manteve a produção perto de Taichung, a cidade taiwanesa onde o chá de bolhas foi inventado. Hoje, a empresa administra cinco fábricas na China, que respondem por 70 por cento de sua produção.

A Giant interrompeu a produção em suas fábricas chinesas depois que as infecções por coronavírus começaram a se espalhar rapidamente no país, e as manteve fechadas por um mês e meio. Então, quando a Europa e os Estados Unidos começaram a fechar, os importadores cancelaram as encomendas.

As vendas nos EUA voltaram a aumentar em março, de acordo com Tu, e hoje todas as fábricas da Giant estão funcionando quase em plena capacidade para compensar a produção perdida. Apesar da procura, ela não planeja investir “cegamente” em uma nova capacidade de fabricação, pois ainda não está convencida de que o novo amor do mundo pelas duas rodas vai durar mais que a pandemia.

“Todo boom termina algum dia, é apenas uma questão de rapidez ou lentidão”, observou ela.

O comportamento cuidadoso de Tu nos negócios não condiz com sua maneira despreocupada de ser. Aos 70 anos, ela exala energia e alto-astral. Pedala três vezes por semana e completou quatro voltas ao redor da ilha de Taiwan. E conta com orgulho que completou seu primeiro triatlo aos 60 anos. “Mas foi com revezamento. Só para ser honesta”, acrescenta rapidamente.

Como qualquer bom ciclista de longas distâncias, Tu sabe ajustar sua velocidade. Ela não está preocupada com a possibilidade de os rivais chineses tentarem capitalizar a demanda impulsionada pelo bloqueio, vendendo magrelas baratas em massa. A pandemia já reanimou a sorte – por enquanto, pelo menos – de uma das maiores cidades produtoras de bicicletas da China, que teve de recuar no ano passado depois que a bolha de compartilhamento de bicicletas do país estourou.

Tu disse achar difícil entender por que os empresários chineses pareciam acreditar que seus clientes se importavam apenas com o preço, e não com a qualidade. “Eles estão dispostos a gastar dezenas de milhares de euros em uma garrafa de vinho tinto. Por que acham que outras pessoas estão dispostas a usar bicicletas de US$ 60?”

Sua preocupação, quando se trata da China, é manter a força de trabalho da Giant lá. O interesse dos jovens por empregos em fábricas está diminuindo. As contratações por lá ainda parecem difíceis no momento, apesar das demissões generalizadas.

“Antes, se quiséssemos contratar alguém na China, haveria três pessoas fazendo fila. Agora, se você está procurando três pessoas, vai ter sorte se conseguir uma única na fila”, comentou Tu.

Ela afirmou que a Giant está tentando descobrir a melhor maneira de usar seus recursos chineses em meio à turbulência geopolítica. E se Trump cancelar sua guerra comercial amanhã? “Claro que voltaríamos à China. Isso é certo”, disse ela, rindo.

Os laços comerciais são fortes entre Taiwan e a China, mesmo que todo o resto do relacionamento seja tenso. A China reivindica a democracia autogovernada como parte de seu território, e não descartou usar a força para controlar a ilha.

A Giant abriu recentemente uma fábrica na Hungria e pretende produzir 300 mil bicicletas lá no ano que vem. Muitos fabricantes se estabeleceram no Vietnã, mas o sudeste da Ásia não faz sentido para a Giant, segundo Tu. Não há mercado local suficiente para sua produção.

A Giant poderia fabricar nos Estados Unidos algum dia? “Acho que não se deve dizer que não há essa possibilidade. Desde que a guerra comercial começou, acho que tudo é possível”, opinou.

Ainda assim, segundo ela, seria muito difícil. Ela acredita que os robôs poderiam ajudar: “Se pudermos ampliar a automação, haverá uma oportunidade maior. Com a automação atual, acho que não há oportunidade.”

A única maneira de fazer bicicletas nos EUA, em outras palavras, é não envolver muitos americanos.

A desindustrialização do Ocidente é uma das muitas realidades sombrias de 2020 que a indústria de bicicletas não vai mudar sozinha. Mas o boom de magrelas gerado pelo coronavírus aponta para outros tipos de transformação que podem surgir a partir deste momento nebuloso. Cidades ao redor do mundo estão estudando suas ruas para restringir automóveis e acomodar melhor pedestres e ciclistas. Os governos europeus estão acelerando os investimentos em infraestrutura e programas de promoção do ciclismo.

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