A discussão sobre qual o melhor tipo de bike não vem de hoje. Este ano tive a oportunidade de pilotar duas bikes de XC de alto nível, tendo sempre a opção entre as competições que participei em 2015. A equipe Cannondale Factory Racing disponibiliza as duas bikes com pequenas variações de configurações para os atletas. Pra equipe não é importante qual a escolha do piloto e cada um decide de acordo com as características pessoais. O que importa é puramente o desempenho na pista.
Saindo do assunto um pouquinho, não achem que as equipes impõem a bike ou material que os pilotos devem andar. Isso é lenda! O importante pra qualquer equipe é ter um atleta rápido. E nenhum atleta de nível que se preze, vai desfavorecer a sua performance para andar com uma ou outra bike.
Dentro do time eu fui o que mais variou a bike, competindo 3 world cups e Brasil Ride com Scalpel e todo o restante do meu calendário foi com a FSi.
Fumic correu apenas algumas provas de FSi e a grande maioria do ano foi em cima de uma Scalpel.
Cooper e Fontana, competiram apenas com a FSi, durante toda temporada.
Diferença entre as bikes:
A Scalpel, possui 100mm de curso na dianteira e traseira, é uma bike um pouco mais longa e usamos na temporada a Lefty 2.0( configuração da bike nas lojas para 2016), o que dava uma sensação de dirigibilidade mais próxima da FSi que usa a mesma suspensão.
A bike é mais longa, menos agressiva, com excelente fluidez e absorção.
Apesar de ser full, a posição do piloto é “dentro” da bike o que facilita bastante uma postura mais agressiva nas subidas.
A FSi, é sem dúvida a bike mais arisca e agressiva do mercado. As diferenças geométricas da bike destoam de qualquer outra bike. No meu primeiro contato com ela tive dificuldade de entender a postura e como eu poderia tirar o melhor do que ela poderia oferecer.
Com a traseira mais curta e assimétrica, ela ficou mais rígida. Combinado com um top tube mais longo e suspensão mais angulada, a FSi consegue ser uma bike que traciona, mas que tem uma posição perfeita para atacar as curvas.
E então qual bike escolher?
Vale a pena destacar que a visão, velocidade, postura e necessidade de um piloto de elite não são, necessariamente, as mesmas de um atleta amador.
Vou dar o exemplo de dois companheiros de equipe pelos meus olhos. O alemão Fumic e o italiano Fontana, possuem um desempenho similar, mas características completamente diferentes. Fumic usa mais a Scalpel. A bike se encaixa perfeitamente pra ele. Pedala muito sentado, com um ciclo de pedalada (distribuição de potência no giro) muito constante. As linhas escolhidas por ele são sempre mais retas ou mais distribuídas, ou seja, sem jogar muito a traseira. Estamos falando de um dos pilotos mais técnicos do mundo, e ai você pode se perguntar porque ele não usa a hardtail assim ele teria uma vantagem na subida.
Isso nos leva a um ponto muito importante. Um conceito completamente equivocado de que “hardtail sobe melhor e full desce melhor”. Errado! O Fumic usa a suspensão aberta boa parte do tempo, mesmo nas subidas. A leitura da bike nos terrenos instáveis, aliada ao modo certo de pilotagem (menos ataques e giro “redondo”), economiza o atleta fisicamente e as vezes oferece até uma velocidade maior.
Já o Fontana possui um estilo mais agressivo. Pedala mais fora do selim, atacando subidas e se movimentando mais. A maior diferença fica quanto a pilotagem, já que ele ataca mais as curvas no estilo “pumping”, que é a técnica de escorar a bike em algo e impulsioná-la de volta para outra trajetória. Sendo assim ele precisa de uma bike um pouco mais firme e que absorva menos, caso contrário ele “gastaria” a velocidade dispersando energia na própria bike. Sem contar com a movimentação da traseira que muda a rota o tempo inteiro. Com a traseira mais curta, leve e menos colada ao chão como na full, fica mais fácil aplicar a técnica.
No meu caso eu fico mais entre os dois estilos porém me adapto muito melhor a FSi. Usei a Scalpel apenas no segundo semestre, quando tentava contornar minha lesão e nesse momento ficou evidente uma grande vantagem de pedalar uma full. O meu problema foi com músculos secundários para o ciclismo. Pedalando mais com a full, consegui reduzir impactos que geravam desgaste em pequenos músculos que estavam debilitados.
Neste ponto acho uma ótima opção usar a full suspension em competições mais longas ou durante uma preparação que envolva muitas horas, a fim de evitar pequenas lesões, e compressão de articulações como ombros, tornozelos, punhos, etc…
Nos últimos anos vimos um uso crescente uso das full suspension nas Copas do Mundo.
Normal, afinal de contas todos queriam descer mais rápido, certo? Errado! Nas pistas de Copa do Mundo, eu geralmente vou descer mais rápido com a hardtail do que com a full, mas a questão em pauta é o gasto energético. A full acaba dando a oportunidade ao atleta de tentar uma leve recuperação física nas descidas.
Lógico que em ambos os casos (full melhor pra subir, hard melhor pra descer), deve-se levar em consideração o nível e condições da pista. Mas levem em consideração que nem sempre a hardtail é só vantagem pra cima e desvantagem pra baixo e a full o oposto. E a principal diferença não é só o peso (sempre em torno de 1kg), mas a angulação de pilotagem do atleta muda e as características aplicadas devem ser diferentes de uma bike pra outra se você quiser tirar o melhor de cada um dos mundos.
Antes de escolher sua bike leve em conta suas necessidades, suas características e seus pontos positivos e negativos como atleta.
Mas não esqueça que no final das contas o que mais importa é subir na magrela e esmagar o pedal!
Por Henrique Avancini, Piloto Cannondale.