Há 220 km de Brasília, no estado de Goiás, existe um paraíso. A Chapada dos Veadeiros é uma das regiões mais antigas do planeta, com cerca de 2,5 bilhões de anos. Localizada no ponto mais alto do planalto central, é um importante berço hidrográfico e oferece belas paisagens naturais, com dezenas de cachoeiras e enormes paredões rochosos, principais características do local.
O Parque Nacional é patrimônio mundial natural da Unesco e a magia do lugar dá ensejo a histórias e mitos. Reza a lenda que a região é visitada por seres extraterrestres. De povoados indígenas (os Kalunga) a moradores que oferecem terapias esotéricas, a Chapada é um local de autoencontro em todos os sentidos.
Em meio a essa paisagem de natureza exuberante, energia positiva e comunhão com a simplicidade existe uma ciclofaixa de primeira linha, que liga o povoado de São Jorge, porta de entrada ao Parque Nacional, à cidade de Alto Paraíso, um dos sete municípios que compõem a região da Chapada. Margeando a GO-239, estrada que há pouco mais de dois anos encontra-se totalmente asfaltada, a excelente ciclofaixa instalada à direita de quem segue para São Jorge é bem sinalizada e segura, com trechos desafiadores e visual compensador. Um convite ao desbravamento de uma das regiões mais bonitas do planeta.
O grupo de ciclistas Pedal 10, formado por colegas do Tribunal Regional do Trabalho em Brasília, experimentou o trajeto no dia 1º de outubro e saiu de lá encantado não só com a qualidade do asfalto e da sinalização, mas especialmente com o visual incrível que se tem ao longo de todo o percurso. Com pouco mais de três anos de existência, o Pedal 10 foi criado para promover o uso da bicicleta como esporte, lazer e transporte. O passeio na Chapada dos Veadeiros reuniu 11 destes ciclistas.
Foram pouco mais de quatro horas de pedal registrado no Strava, num total de 74 km de ida e volta, com altimetria acumulada de quase 800 m. No caminho, a alternância da chuva, típica da primavera no cerrado, ajudou a aliviar o calor característico do planalto central. A proposta era pedalar em meio à natureza, apreciando os paredões de rocha e as árvores retorcidas do cerrado, ao som do canto dos pássaros.
Com apenas um pneu furado na ida e outro na volta, o grupo seguiu unido ao longo de uma estrada que vem sendo descoberta aos poucos pelos ciclistas. A região é conhecida por suas trilhas que levam a mirantes e cachoeiras, sempre desbravadas pelos mountain bikers. A recém-asfaltada GO -239, no entanto, apresenta-se como alternativa acessível a todo tipo de ciclista que deseja estar em contato com a Chapada sem necessariamente enfrentar os percalços de trilhas em matas fechadas e desafiadoras. O passeio pela rodovia também permite o apoio de um carro para eventual necessidade.
Em cerca de cinco horas, o Pedal 10 fez o trajeto com apenas uma parada para reposição no posto de combustível da entrada da cidade. Foram momentos de alegria plena e sintonia total com a natureza e a energia que emana da Chapada. Uma opção a mais para quem quer unir ciclismo e turismo ecológico.
Conheça a Chapada dos Veadeiros
Seus primeiros habitantes foram os índios Avá Canoeiros, Crixás e Goyazes. Em 1592 os bandeirantes abriram as primeiras trilhas. O nome da chapada faz referência aos caçadores de veado-campeiro. Por volta de 1730, começaram a chegar os primeiros bandeirantes, tendo como missão mais significativa a Bandeira do Anhanguera. Vinham faiscando o ouro dos riachos e criando as primeiras vilas e arraiais. Traziam consigo escravos negros, que logo fugiam para os vãos entre as montanhas, onde constituíam comunidades que até hoje vivem isoladas (kalungas), ao norte do município de Cavalcante, cidade que foi eixo e matriz da ocupação de toda a Chapada.
O marco decisivo para o povoamento da região de Alto Paraíso foi, em 1750, a implantação da propriedade do Sr. Francisco de Almeida: a Fazenda Veadeiros, que passou a ser um pequeno núcleo de colonização, no qual foram se agrupando lavradores que se dedicaram à pecuária, ao cultivo de trigo e café. Da decadência do ouro (1780) até o fim do século XIX, nada ocorreu nestas paisagens que perturbasse o bucolismo dos quintais e do pastoreio.
Em 1892 um fato anunciava radicais transformações no âmbito geográfico, político e social de toda a região do Brasil Central. Era a chegada da comissão exploradora do Planalto Central, comandada por Luís Cruls e constituída de diversos pesquisadores que tinham a finalidade de delimitar a área da futura capital do Brasil. Em setembro de 1926, a célebre Coluna Prestes atravessava a Chapada.
Em 1931, a serviço do correio aéreo nacional, o brigadeiro Lysias Rodrigues passa por Veadeiros, vindo de São Paulo em direção a Belém. Esta visita resulta na magnífica obra literária “O roteiro do Tocantins”.
Em 1912 foi descoberta a primeira grande jazida de cristal-de-rocha da Chapada e o povoamento de São Jorge ocorreu em função da tentativa de exploração desse mineral, pois vários acampamentos de garimpeiros acabaram se transformando em povoados e cidades. Na década de 70 começaram a chegar novos tipos de habitantes às cidades da região. Eram pessoas que deixaram a rotina estressante dos grandes centros urbanos em busca de uma vida melhor no campo: os alternativos.
Em 1980, dois fatos específicos de origens diversas, porém, complementares, tornaram-se um marco decisivo para a realidade atual: eram os projetos Alto Paraíso e Rumo ao Sol. O primeiro projeto, de cunho governamental, buscava instalar diversos equipamentos urbanos, tais como hotel, aeroporto, asfalto etc, visando criar, a partir do turismo e da produção de frutas nobres, um polo regional de desenvolvimento do nordeste goiano. Já o “Rumo ao Sol” tinha como objetivo a instalação e desenvolvimento na área de comunidades alternativas, baseando-se em conceitos do naturalismo e do misticismo. O projeto, que era como um movimento hippie, atraiu a primeira grande leva de migrantes para a região. A partir daí, e com a implementação do Ecoturismo, a Chapada dos Veadeiros e as comunidades com ela relacionadas vem experimentando diversas transformações políticas, sociais e econômicas.
A fauna local é bastante variada, sendo destaques: o lobo-guará (chrysocyon brachyurus) e o veado campeiro (ozotoceros bezoarticus). Das 312 espécies de aves existentes, podemos citar a ema (rhea americana), o urubu-rei (sarcoramphus papa) e várias espécies de gaviões, entre os quais o brites (leucovihous). Das 30 espécies endêmicas de aves ocorrentes no cerrado, 13 estão no parque nacional e oito são ameaçadas de extinção. O raríssimo pato mergulhão (mergus octosetaceus) inclui o parque em sua rota migratória e o usa para procriação. Mais de 1.000 espécies de borboletas e mariposas podem ser encontradas na unidade. Com olhar atento cerca de 34 espécies de sapos e rãs podem ser vistos e ao menos 33 espécies de répteis ocorrem na unidade. Por sua vez, já foram vistas 160 espécies de abelhas, sendo que, seis delas, novas para a ciência. Referente aos peixes, ocorrem 49 espécies nos rios e córregos que nascem ou passam pela unidade.
O cerrado é uma savana tropical na qual a vegetação herbácea coexiste com mais de 420 espécies de árvores e arbustos esparsos. O solo é ácido e de baixa fertilidade, com altos níveis de ferro e alumínio. Na porção do bioma cerrado preservada pelo parque nacional existem muitas espécies endêmicas, isto é, aquelas que só ocorrem neste lugar. Isto porque o cerrado de altitude possui fitofisionomias raras como o cerrado rupestre (acima dos 900 m) onde são abundantes as canelas d’ema (velosiáceas). Algumas espécies (antúrios, filodendros, bromélias e orquídeas) concentram-se nas fendas das rochas e outras diretamente sobre elas (amburana), sem que haja solo. Nos campos rupestres vê-se com frequência a arnica, o mandiocão e o veludo. Outras fitofisionomias estão presentes como a mata ciliar, mata seca semidecídua, as várias formas do cerrado sentido restrito e veredas serpenteando os campos limpos, de aparência cinematográfica, a exemplo do jardim de maytreia, onde os buritis (mauritia flexuosa) formam um verdadeiro cartão-postal. Estima-se em 50 o número de espécies raras, endêmicas ou sob o risco de extinção na área. Já foram identificadas 1.476 espécies de plantas no parque, das 6.429 que existem no bioma cerrado. Só de gramíneas encontrou-se 139 espécies, 69 de quaresmeiras, 1.476 de orquídeas, sendo que nove são novas descrições.